sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O homem e o menino

Quando era menino detestava o Natal, fazia aniversário no dia 24 dezembro e sempre era engambelado com um presente só, diziam valer por dois. Sacanagem da grossa para se fazer com uma criança. Quando teve consciência disso, começou a desconfiar da honestidade dos adultos. Além disso, um bocado de gente esquecia o aniversário dele por causa das festanças natalinas.

Mas o Ano Novo era diferente. A mãe vestia ele todo de branquinho, passava perfume e tudo, enquanto dizia que o velhinho estava indo embora e a meia noite um ano novinho nasceria. O menino estancava os olhos no ar e ficava alguns minutos imaginando um velho corcunda caminhando lentamente em direção ao fim da rua, preocupado em desaparecer na hora marcada, afinal, a decrepitude da velhice não deve atrasar a chegada do bebê ruivo e rechonchudo, sorridente e com bochechas coradas. Era assim que o menino imaginava o Ano Novo.

O melhor momento do Ano Novo era a ceia. A família se sentava à mesa às 23h30. O menino engolia a comida rápido, pois o clímax da festa vinha depois do jantar: as rabanadas, bêbadas de leite e salpicadas com açúcar e canela, a cada mordida, ele tinha certeza de que seria feliz. Para Sempre.

O tempo passou e a inocência lhe ia sendo roubada. Só aos nove anos entendeu que o Natal era a comemoração pelo nascimento de Cristo. Quer dizer, esqueciam o aniversário do menino só porque era também aniversário de Jesus? Evidente, o menino se sentia (e até hoje se sente) mais importante do que Cristo. Afinal, Cristo estava morto, não existia, mas o menino ali estava.

Odiou Cristo. Na noite de um Ano Novo, planejou vingança, acertaria diferenças com o Nazareno. Na sala de casa havia um quadro de Jesus, esperou todos se sentarem à mesa para ceiar, saiu de fininho, roubou o lápis de olho e o batom da mãe, fez bigode francês em Cristo e passou lhe batom nos lábios. Afastou-se para contemplar o resultado da vingança. Sorriu, satisfeito. Mas a mãe lhe pegou em flagrante delito, levou uma surra, ficou de castigo o resto da noite, e cruelmente a mãe o deixou sem uma rabanada. Desconfiou que não seria mais feliz. Para Sempre.

E foi assim, aos poucos, a violência penetrou dentro dele e ali encontrou alimento e refúgio.

Aos 14 anos, conheceu Sartre e os Caminhos da Liberdade. Abandonou idéias irrealizáveis aqui e agora. Transformou todas as situações da vida em pequenos projetos componentes do quadro geral de um projeto também geral: manter-se vivo. Desenvolveu truques para driblar as barreiras que o impediam de realizar os projetos, descobrindo a necessidade de continuar.

Anos mais tarde, sentiu na carne que o amor não tem bons sentimentos e os bons sentimentos na verdade não são tão bons assim. Houve desprezo pela humanidade, passou a respeitar o ser humano só porque existe a polícia.

Então qual a serventia do ser humano para o menino que virou homem mas em breve estará em busca do menino que se fora? Para o sexo, mas só com os melhores exemplares. A beleza da carne é primordial quando se descobre a feiúra da alma.

Hoje, adota O Corvo de Poe. O Ave deita raízes, um câncer, no ombro esquerdo do homem, que caminha pelas ruas e observa as pessoas, enquanto o Corvo vai lhe repetindo ao pé do ouvido. Nunca mais.

Chegou mais um Ano Novo. A mãe fará novamente rabanadas bêbadas de leite e salpicadas com açúcar e canela. Ele morderá a rabanada com gula e se sentirá feliz. Para Sempre? Nunca mais.

Mas há momentos, quando o Corvo adormece, o cansaço abate o homem, derrotado pela vida encosta à cabeça no travesseiro e se lembra do menino, branco e magro, encostado à janela, no dia seguinte a surra pela vingança com Cristo, metade do rosto escondido pela cortina da sala e a outra metade observando o mundo com o olho já brutalizado.

Ao se lembrar da inocência, o homem chora, o Corvo despertou. E assim adormece esse homem. Não sonha. Nunca mais.

O sono é tranqüilo, amanhã começa outro ano, e até mesmo dormindo, ele sabe: é preciso continuar. Para sempre.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O sol e a lágrima

Um conto de Wagner Ribeiro

Para a pequena Ingrid

Obrigada, eu não podia perder esse trem, disse ela tentando recuperar o fôlego. Faíscas saltaram dos olhos do rapaz. Não foi nada, respondeu alargando sorriso no rosto. E ela ficou ali, enxugando na blusa as mãos molhadas de suor, fingindo ajeitar a roupa, hipnotizada pelo rosto dele, guarnecido com um nariz pequeno e arrebitado, os lábios firmes e o maxilar quadrado, potente; mas, sobretudo, foram os olhos de misterioso âmbar que mais chamaram atenção dela.

No rosto da moça havia uma expressão de fragilidade, uma espécie de inocência ressentida. É isso, ela é uma criança roubada. E o assalto dos sonhos infantes deixa a impressão de uma lágrima eternamente congelada nos olhos líquidos, proibida de cumprir o roteiro habitual das lágrimas, não descia pelo rosto, ficava estagnada, dando brilho nos olhos que já brilhavam de tanto verde.

Sem saber o que fazer com o corpo, tratou de atirá-lo no banco à frente. Sentou-se ao lado do rapaz, desviou o olhar tentando esconder o verde, a lágrima retida que ninguém se dera conta, exceto aquele estranho de olhos cor de âmbar, cheios de silêncio e liberdade.

Ufa, quase não deu tempo, valeu mesmo por segurar a porta, disse ela com tom de voz baixo e suave. Não precisa agradecer, eu já tinha visto você descendo as escadas, correndo, até pensei que fosse cair, ele respondeu, querendo estabelecer um grau de intimidade, por menor que fosse. E o máximo que ela lhe ofereceu foi um esboço de sorriso lateral, enquanto passeava os olhos pelo chão.

- Qual seu nome?, ele perguntou querendo derreter a névoa glacial entre os dois.

- Stella, todo mundo me chama de Stella.

- Como assim todo mundo te chama de Stella? Não é esse o seu?

- É sim, mas é que o meu nome é composto, é Stella Maris. Mas as pessoas não gostam muito, e eu também não, parece nome de velha, o pessoal do cursinho vive tirando sarro da minha cara.

- São uns bobos, isso sim. Seu nome é lindo, combina com você. Sabe o que significa?

- E tem significado?

- Claro! Quer dizer Estrela do Mar.

- Hum, não sabia disso. E o seu, qual é?

- Gabriel, significa A força de Deus. Pelo jeito nossos nomes têm algo em comum, algo de sagrado, né?

- Acho que você é bem religioso.

- Que nada, nem acredito em Deus, não no Deus que todo mundo acredita. Num dá pra levar à sério um cara que pune e dita tantas regras. Pra mim, Deus e a liberdade são a mesma coisa. Minha forma de prece é remar com toda fé para conseguir entrar naquela onda quem vem vindo em minha direção, depois de viajar quilômetros e mais quilômetros pelo oceano. E no momento que subo na prancha e deslizo sobre a onda, minha mente se liberta de tudo que existe de ruim no mundo, fico completamente paz. Isso é estar em contato direto com Deus.

- Bonito isso!

- Posso de dizer uma coisa? Quando vi você descendo as escadas, antes de chegar na plataforma, queria ver você mais de perto, porque de longe você me pareceu tanto com uma personagem de romance.

- É mesmo? Que personagem?

- Capitu, aquela que ninguém sabe se traiu ou não traiu o bentinho. Ah! Até que enfim um sorriso nesse rosto, lindo sorriso, devia sorrir mais.

- É que essa situação toda é muito engraçada, e estranha, nunca fui cantada assim, e eu nem sabia que surfista gosta de ler.

Outro sorriso iluminou o rosto dela, mas um sorriso diferente do primeiro. Esse tinha significado e profundidade, meio inocente, meio malicioso, vou chamar de sorriso Stella Maris.

- Então você conhece muito pouco sobre os surfistas, como a maioria das pessoas, de besta e burro a gente só tem a cara e o jeitão de andar. A gente tem segredos e truques, sabia? A capa das nossas pranchas são saquinhos de feitiçaria. E a parafina, pensa que a parafina é uma simples coisa que a gente passa na prancha. Que nada. É uma pasta mágica, que faz a gente caminhar sobre as águas. Vou te contar um segredo, mas não conta pra ninguém, Jesus passava parafina nos pés.

Os dois desataram a rir doidamente, não paravam nunca, gargalhavam de doer a barriga, até encher os olhos de Gabriel de lágrima, foi aí que em meio ao riso e ao choro, ele curvou o corpo e pousou a mão sobre o joelho dela, e ela, num gesto automático, colocou a mão sobre a dele, pequena, branca e macia. Ao sentir a textura da pele, ela puxou a mão rapidamente, as gargalhadas foram diminuindo, diminuindo, tornando-se simples risos, até que as vozes se calaram enquanto os corações pulsavam.

Gabriel virou o corpo de lado, enfiou a mão no bolso e tirou uma caixinha, coberta de tecido preto. Ela olhava de lado, com a sensação de conhecê-lo há anos, vai aprontar algum truque sedutor; que será? O zíper correu, a caixa se abriu, e como se descobrisse um segredo íntimo, ela descobriu uma gaita.

Os olhos dele se atiram pela janela em busca do horizonte, o sol começava a surgir, derretendo a névoa, exalando o cheiro do novo. Colocou a gaita na boca, as notas preencheram o vácuo entre eles. Stella o olhou. O verde dos olhos dela se misturou ao âmbar dos olhos dele, dando vida a uma nova cor, vibrante e intensa, desconhecida pelo mundo e por eles mesmos.

Esticou o braço, ela entendeu, hesitou, mas não podia resistir à mágica do instante, do raro, raríssimo instante em que algo realmente Belo acontece. Os corpos se aproximaram, sentiu-se protegida pelos braços dele, pela música. De repente, ele parou de tocar e com a gaita entre os dedos apontou o mundo, lá fora, e começou a cantar baixinho:

Olha é o sol,

olha é céu,

olha é o amor...

Seus olhos são lindos, disse ela, a resposta foi imediata: são olhos de surfista, os surfistas enxergam o mundo de forma diferente, acho que um mundo melhor. Stella, tenho que descer na próxima estação, vem comigo! vem, vem comigo, deixa eu te mostrar o mar, quero te ensinar uma coisa. Não posso, ficou doido, não posso, não posso. Vem, a estação tá chegando, vem, vamos, quero te contar uma história, vem Estrela do Mar, fica comigo hoje... Não posso, não posso, conta a história agora, rápido, quero saber. Vem comigo, quero te contar a história do mundo. Gabriel se levantou, pegou a prancha e colocou em baixo do braço, segurou a mão dela. Vem, Stella, vem comigo. Não posso, não posso, semana que vem, semana que vem eu vou. Promete? Prometo, acho que prometo. Vou ficar te esperando. Juro que vou.

O trem parou, Gabriel caminhava de costas, o âmbar fixo no verde, a alça da capa da prancha cruzando o peito, colocou a gaita na boca novamente, a música renasceu, e foi caminhando de costas, caminhando e tocando a gaita, um encantador de serpentes, mais alguns passos e desceu do trem. Ficou ali, parado na plataforma, observando-a. Agora o vidro da janela do trem era a intransponível barreira entre eles. Stella parece um peixinho de aquário.

O trem começou a se movimentar, o sol despontava, tingindo tudo de dourado, Gabriel se tornara a silhueta do corpo e da prancha, indivisíveis, ela parecia ainda ouvir o som da gaita, é que a música rompeu a fronteira do corpo e se instalou na alma, a silhueta foi ficando menor, e menor, quando estava quase desaparecendo, Stella respirou fundo, surgia à sutileza do sorriso Stella Maris. O sol brilhou ainda mais forte, enquanto, enfim, a lágrima cumpria sua sina.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Quando a coisa fica preta, uns correm; outros enfrentam

"Eu também sei governar.
Madeira de dar em doido
Vai descer até quebrar
É a volta do cipó de arueira
No lombo de quem mandou dar."
Aroeira, de Geraldo Vandré


O abandono deste blog se justifica pela correria com assuntos da universidade, o trabalho diário e inevitável sem o qual não surge na mesa um pão sequer. Sem falar que ainda não aprendi a fazer o milagre da multiplicação, então preciso muito mais do que um misero pãozinho.

Mas, falando sério, tenho algumas coisinhas a dizer sobre o caso dos três gays espancados na Av. Paulista, no dia 14/11, por quatros pivetes homofóbicos, três deles ainda menores de idade.

Não perderei tempo explicando os motivos desses atos. A questão está permeada por fatores históricos. Basta dizer que esses meninos não nasceram homofóbicos, foram construídos, moldados de acordo os desejos alheios, banhados com um ódio que, a princípio, não era deles. Junte-se a isso o tempero picante do conflito externo entre os próprios sentimentos e os sentimentos que lhes foram ensinados como corretos, honestos e normais, e teremos aí bombas atômicas ambulantes, prontinhas para explodir e contaminar a tudo com o ódio que eles mesmos não sabem explicar.

Desinteressa as explicações pelo simples fato de que tô pouco me lixando se são neuróticos ou não, torturados pelo desejo ou não. Dane-se se eles são o que fizeram deles. Importa-me o que eles fizeram com os outros. É inadmissível esse tipo de violência. Mas se essa é a única linguagem que o agressor conhece, portanto, é nessa linguagem que as contas devem ser acertadas.

Não adianta mais os gays tentarem combater atos de violência com atos de amor, como é o caso dos beijaços como forma de protesto, de manifesto ou de repúdio. Já defendi o combate à violência com atos de amor em artigo anterior Dos Gays e da Bestialidade humana. Mas, infelizmente, o agressor, o opressor, só compreende uma linguagem: a deles próprios. Só conhecem o ódio e o desrespeito ao ser humano; como esperar que eles compreendam manifestações de amor?

Há algum tempo, Luiz Mott disse nalgum lugar que os gays deveriam aprender defesa pessoal - ou algo que o valha - que os gays deveriam responder às agressões. Algumas pessoas do alto escalão do movimento homossexual colocaram a mão na boca em sinal de horror às palavras de Mott. Mas eles também sabem que horror mesmo é a quantidade de gays que levam porrada nas ruas diariamente, passivamente, caladamente.

Basta!

Essa é a palavra que deve rugir por todos os cantos. Deve haver conflito pesado para estimular o Estado a agir como pacificador de conflitos sociais e aprovar a Lei contra homofobia. De quanto sangue mais o Congresso precisa? Ou será que o sangue dos gays não é suficiente? Será preciso então derramar sangue dos homofóbicos? É isso? Enquanto os gays continuarem apanhando passiva e pacificamente a situação ficará na comodidade tanto para o Estado quanto para os agressores.

De minha parte, se eu presenciar qualquer cena de agressão, não hesitarei em partir pro ataque. Como disse Geraldo Vandré na música Aroeira: “É a volta do cipó de Aroeira no lombo de quem mandou dar”.

Acabei de receber uma ligação de um amigo dizendo que as criaturinhas de satanás foram liberadas. Pois bem. Isso é tudo.


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O voto que não darei


Aproxima-se o grande dia da votação para o segundo turno, que definirá, de uma vez por todas, o futuro presidente do Brasil: Dilminha, a bruta; ou Serra, o insosso.

Não dei meu voto no primeiro turno. Não darei no segundo. Uns danadinhos por aí andam me chamando de reacionário, de conservador, de alienado, de xarope, entre outros elogios. Tolinhos. Querem me enquadrar numa posição política qualquer. Perca de tempo. Não sou de direita, nem de esquerda, tampouco de centro. Dou-me ao luxo de pensar com minha própria cabeça, embora me agrade bastante às idéias de Max Stirner.

Odeio partidos políticos. Não acredito em eleições. Desprezo isso que os honrados entendidos em política chamam democracia, pois essa utopia socrática está tão morta quando o próprio Sócrates.

Parece que os políticos brasileiros nunca tomaram um pingado e comeram um pão na chapa no boteco da esquina antes de ir trabalhar (Trabalhar?). Parece que nunca viram um mendigo dormindo no chão. Parece que nunca viram uma criança de cinco anos, às vezes menos, com um cachimbo de craque na boca. Vejo isso todos os dias. Mas o assunto sequer é citado pelos presidenciáveis.

As favelas aqui perto de casa estão cheias de gente passando fome de verdade. Eles não têm instrução para escolher, à luz da razão, quem serão seus representantes. Essa escolha se dá por meio do hipócrita show de marketing em que se tornaram as eleições; por meio do ilegal boca de urna que presenciei no primeiro turno; por meio do mensalinho que o PT distribui a essas pessoas. E tem mais: fui testemunha in loco de candidatos do PT fazendo churrasco numa favela de Guaianazes, extremo leste de São Paulo, com apoio da galera do PCC, para arrecadar votos. Mas aí me vem à senhora Maria Rita Kehl, no artigo Dois Pesos, publicado no jornal O Estado de São Paulo, dizendo o seguinte:

“Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.”

Maria Rita Kehl, por Deus, mulher, não precisa falar em interior, fiquemos aqui na capital mesmo. Afinal, de quais pobres a senhora está falando e em qual País eles vivem? Decerto fala dos pobres e do País observado pela senhora de cima do altar de sua intelectualidade, que conhece essa gente só por livros e estatísticas. Esse “votar em causa própria” significa pagar o mensalinho recebido - uma espécie de voto de cabresto dissimulado, característica da moderna forma de coronelismo petista. E a senhora ainda chama isso de preservar direitos mínimos pela via democrática? Ah, vá... Direito mínimo é a educação que conduz ao exercício consciente da cidadania, ao raciocínio crítico acerca dos assuntos públicos - os quais deveriam nortear as eleições mas que foram substituídos por querelas religiosas e outras frivolidades. Sem educação a única coisa existente nesse processo é um simulacro de democracia.

Lembro um trecho do romance A Cartuxa de Parma, de Stendhal: “Se a palavra ‘amor’ for pronunciada entre eles, estarei perdido”, diz o conde Mosca ao ver se afastar a carruagem que leva Sanseverina e Fabrice. Agora é só trocar a palavra “amor” por “educação” e está aí o que faz tremer as bases dos políticos brasileiros.

Agora, talvez você se pergunte, afinal, por que diabo esse cara não vai votar? Por quatro motivos. Primeiro, por tudo o que citei acima, óbvio; segundo, porque travo minhas batalhas nas ruas e na surdina; terceiro, porque falarei mal tanto do Serra quanto da Dilma, independente de quem for eleito; quarto, porque quero manter minhas mãos limpas, por ora.

domingo, 3 de outubro de 2010

O VOTO QUE EU NÃO DEI



Sai de casa às 4h da madrugada deste domingo (03/09) para ir surfar. Queria a alma limpa e leve no momento de oferecer minha contribuição para definir o futuro da pátria.

Na volta, encontrei a cidade mergulhada em insanidade geral. A sensação era de que, de repente, não mais que de repente, eu estava no centro de uma opereta histriônica com direito a chuva de santinhos do PT e tudo o mais. Juro. Santinhos do PT eram atirados aos montes pelas janelas dos carros em movimento e também de cima dos viadutos.

As ruas e calçadas estavam forradas de papéis estampados com a face de personagens grotescos, trazendo a estrela vermelha ao lado de seus rostos. Sim, a maior parte do lixo era petista. E toda essa imundice se misturava com a chuva, formando uma pasta viscosa que ia escorrendo lentamente para as bocas-de-lobo. Amanhã, os bueiros de São Paulo estarão entupidos, fartos da política brasileira.

Fiquei me perguntando quantas bocas famintas poderiam ser alimentadas com a grana gasta em publicidade? E o meio ambiente? Ah, foda-se o meio ambiente! Foda-se também o fato de que a fortuna gasta em campanhas eleitorais poderia salvar vidas em vez de destruí-las. O importante é que amanhã teremos políticos nos representando em Brasília.

Depois de um trânsito infernal para conseguir chegar em casa, deixei a prancha e a mochila na sala. Do fundo da gaveta onde guardo papéis velhos e inúteis, dos quais não consigo me livrar, peguei meu título de eleitor. Nome pomposo, não? TÍTULO DE ELEITOR!

Apertando meu TÍTULO na mão, caminhei em meio ao lixo, de cabeça baixa, bombardeado por todos os lados com as vozes que diziam repetidamente: “Vou votar no Tiririca, pior não fica mesmo”.

Meu coração ficou apertado a ponto de me faltar ar nos pulmões. Mas, debilmente, segui adiante. Na porta da escola em que voto, olhei ao redor e a maioria das pessoas apanhava no chão um papel qualquer para votar em qualquer imbecil. Ou, então, aceitavam algum santinho oferecido descaradamente por um brasileiro miserável que ganhou R$ 50,00 para fazer boca de urna ilegalmente.

Não me dei por vencido. Entrei na escola. Fui para a fila. Um homem, na casa dos 40 anos, chegou atrás de mim, arrastando pela mão o filho que calçava sandálias Havaianas surradas, bermudinha e camiseta de manga longa, na qual ele limpava insistentemente o nariz escorrendo ranho.

- Pai, você vai votar no Tiririca, né?

- Vô, moleque, vô.

Insisto em afirmar: tudo que escrevo aqui é verdade. Não é fruto da minha fértil imaginação de escritor, como diria meu amigo João Silvério Trevisan.

Olhei o TÍTULO de eleitor na palma da minha mão, úmido de suor. Meus olhos arderam. Contive minhas águas a tempo. Sai da fila convencido de que o Brasil se tornou uma republiqueta das bananas e naturalmente não vive uma democracia. Os espertos, e mais esclarecidos do que eu em assuntos políticos, piscariam o olho, sorririam de lado e diriam: “Mas isto é a democracia, sim!”

Pois eu lhes desejo de todo coração que o diabo os carregue e dou-lhes a informação: Isto é escravidão mental; não democracia.

Voltei para casa, um brasileiro de 27 anos, olhos pregados no chão, sentindo na boca o gosto amargo do desamparo. Mas com o espírito salvo pelo voto que eu não dei.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Inscrições abertas para oficinas no Núcleo de Criação Literária João Silvério Trevisan


Depois de 23 anos coordenando oficinas literárias por todo o Brasil, o escritor João Silvério Trevisan, ganhador de três prêmios Jabuti e três APCA, inaugura em São Paulo um Núcleo de Criação Literária. Os encontros começam na primeira semana de outubro e serão realizados às quartas-feiras e aos sábados no Centro de Cultura Social, a quatro quadras do metrô República, com vagas limitadas a 16 pessoas por grupo.


O objetivo do Núcleo de Criação Literária João Silvério Trevisan é desenvolver o potencial criativo dos oficineiros por meio de trabalhos práticos, porém adicionando embasamentos teóricos sempre que necessário.

Com formato dinâmico, os estudos se baseiam na criação e discussão dos textos dos participantes, além de leituras comentadas das obras de autores referenciais a fim de estabelecer um diálogo com a literatura universal e exemplificar os recursos literários disponíveis. Também serão utilizadas obras de cinema, teatro e artes plásticas para subsidiar a criação literária.

Outra característica das oficinas no Núcleo de Criação Literária é a prática de exercícios para “soltar” o texto e eliminar o pânico de estar diante de uma página em branco, um problema comum até entre pessoas que trabalham profissionalmente com texto, como jornalistas, advogados, professores, funcionários públicos etc.

As oficinas literárias são indicadas para todas as pessoas que desejam se expressar poeticamente, seja por meio da prosa, seja por meio da poesia. “Os dois gêneros são trabalhados lado a lado em todos os encontros. Assim, cada participante poderá dividir com os companheiros o prazer da própria produção literária”, explica Trevisan.

Serviço:

End. Rua General Jardim nº 253/sala 22 (Centro de Cultura Social)

Contato por e-mail com João Silvério Trevisan: jstrevisan@uol.com.br

Horário dos encontros:

- Grupo 1: quartas-feiras das 19h30 às 22h30.

- Grupo 2: sábados das 10h às 13h.

Início dos encontros:

- Grupo 1: quarta-feira, 06 de outubro.

- Grupo 2: sábado, 09 de outubro.

Investimento:

R$ 250,00 mensal.

domingo, 29 de agosto de 2010


Na cama


- Faz tempo que a gente não conversa, né?

- Tá falando do quê? A gente se fala todo dia.

- Exatamente. A gente se fala todo dia. Mas raramente conversamos assim... assim... assim, você sabe, nus.

- Ah! Isso é verdade. Mas é muito difícil mesmo desnudar a alma. É até doloroso demais às vezes.

- É, é mesmo, você tem razão. Então, eu queria aproveitar esse momento. Esquecer todas as coisas lá de fora, daquele mundo lá fora, tão imundo, que tem Dilma, que tem Lula, valha-me Deus, vou mudar de assunto rápido. Antes que me roubem até esse momento. Sabe, quero dizer algumas coisas, verdadeiras, posso?

- Depende.

- Do quê?

- Se for me deixar mal, prefiro que não diga nada. Não tô a fim de ficar chateada. Na verdade, quero mesmo é que as pessoas mintam. Será que você poderia mentir pra mim, só um pouquinho?

- Posso, claro. Sob uma condição.

- Qual?

- Que minta para mim, pelo menos um tiquinho de nada também.

- Ok. Tô grávida de 3 meses?

- Que?! Puta que pariu. Não dá. Vai ter que tirar isso aí.

- Idiota. Eu sumiria do mapa se estivesse grávida de um filho seu. Ou me mataria. Você é um calhordas.

- Não sou, não. Só não quero um parasita sugando seu sangue por nove meses pra depois sugar nossas vidas até que elas se acabem.

- Deixa pra lá. Que coisas verdadeiras queria me contar. Diga, pois tenho algumas coisas verdadeiras para te contar também.

- Amanhã faz 10 anos que estamos juntos. Eu nunca disse que uma coisa que, sabia eu, era importante pra você. Vem cá, me abraça. Forte. Isso. Assim. Como você é linda.

- Que coisa é essa tão importante pra mim e que você nunca disse?

- Sente o meu abraço. Tá vendo como é quente.

- Sim, sim. Quente como nunca.

- Ah, minha linda, minha princesinha, EU TE AMO!

- Nossa, amor, que deu em você?

- Não sei. Tô sentindo isso há alguns dias. Mas o que você queria me dizer.

- Deixa pra outra hora.

- Não, conta vai. Quero saber.

- Tá bom. Tô grávida.

- Não brinca assim, pô. Já falei. Não adianta. Não vou querer ter filho.

- O filho é do seu pai.