Escritor ficcional, ensaísta, roteirista, diretor de cinema, dramaturgo, coordenador de oficinas literárias, jornalista e tradutor. Essas são algumas das facetas de Trevisan
Por Wagner Ribeiro
Uma leitura dos subterrâneos do Poder
Mas o momento crucial do romance se passa em 2006, durante os ataques do PCC, rebatizado CROC (Comando Revolucionário Organizado do Crime). Neste momento, durante a inauguração de um teatro em São Paulo, onde está reunida a nata da elite brasileira, os bandidos do PCC articulam um explosivo sequestro.
Instala-se uma situação parecida com a que Luís Buñuel explorou no filme “O Discreto Charme da Burguesia”. É nesta situação limítrofe que a elite e o próprio Brasil se revelam em sua verdade.
O final de Rei do Cheiro aponta dois fatos. Primeiro, instalou-se o caos na realidade brasileira sem que ninguém se incomode em identificar quem são os verdadeiros bandidos. Segundo, a APCA premiou a obra de um intelectual maduro e multifacetado, conhecedor das fronteiras exatas de suas facetas, sendo que cada uma delas se dedica a batalhas distintas de uma guerra única: viver e compreender o mundo atual.
Acompanhe a entrevista que João Silvério Trevisan cedeu ao Mundo Mais!
Mundo Mais - Os extremos da vida do seu protagonista, Ruan Coronado, são de tal modo invadido pela presença midiática que acabam se transformando quase num reality show. Você acredita que a sociedade contemporânea se tornou um produto da indústria cultural?
JSTrevisan - Desde a invenção do rádio, a indústria cultural vem crescendo e se impondo. Na sociedade contemporânea, somos manipulados 24 horas por dia pela publicidade, pelas novelas, pela música comercial, pelos programas de entretenimento, através dos quais aprendemos a consumir tudo o que for mais óbvio. Estamos de tal modo expostos que nossas vidas se tornaram um grande reality show. O sucesso de programas como o BBB ou “A Fazenda” se explica por espelharem nossas necessidades exibicionistas, que por sua vez precisam do voyeurismo para se completar. Somos ao mesmo tempo exibicionistas e olheiros. O entorpecimento daí resultante é uma maneira de enfrentar nossa espantosa solidão.
Mundo Mais - Ismael, o líder do CROC, é um bandido politizado, bonitão e fã de filmes clássicos. A população das periferias de São Paulo envia mensagens de apoio a Ismael. Você acha que os moradores da periferia estão a favor dos bandidos?
JSTREVISAN – Se a impunidade grassa entre a elite no poder e aí um grupo vem se contrapor a essa elite, mesmo que fora dos padrões legais, é natural que os excluídos do grande poder tenderão a sentir simpatia com os rebelados, mesmo porque são muitas vezes eles próprios inimigos dessas leis. Os ataques do PCC em 2006 tiveram clara aprovação de certos setores da população menos favorecida das periferias, como era possível constatar nas ruas e nas reportagens dos jornais. Muitos jovens, sobretudo, saudaram a explosão tanática das chamas de maio de 2006 como uma possível saída para sua revolta. Nas minhas pesquisas, encontrei muitos grupos de rap afinados com as propostas destrutivas do PCC – e não só na internet. No próprio centro de São Paulo pude encontrar CDs que louvavam a valentia dos bandidos do PCC. Aproveitei sugestões dessas canções no meu romance e às vezes até usei pequenos trechos de letras, temperando os paradoxos. O leitor poderá ver como aquilo é de uma selvageria assustadora. E, com certeza, não saiu da minha cabeça de ficcionista.
Mundo Mais - Qual a importância de Rei do Cheiro para a sociedade brasileira hoje?
JSTREVISAN – Bom, eu não acredito em missão salvacionista da produção ficcional e das artes narrativas. Mesmo porque denúncia virou função da mídia. Mas sempre achei que escritores podem ser para-raios do seu tempo e, através da expressão ficcional, têm potencial para transformar a realidade em alguma coisa para além dela, algo que se poderia chamar de Poesia, se isso for entendido como a capacidade de escancarar a crise de modo visionário. Sempre acreditei que há um paralelismo entre o profeta e o poeta. Então, com REI DO CHEIRO, o que pretendi foi exatamente isso: marcar a lembrança com ferro em fogo. Se há alguma importância no que faço, e eu acho que há, então deve ser essa capacidade de insistir que o rei está nu e de inventar formas de sobreviver, com um fio tênue de esperança. Mas até quando?
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